Demétrio Magnoli
“A nação é um referendo cotidiano”. A definição, do francês Ernest Renan (1823-92), foi uma resposta genial ao hábito do seu tempo de identificar e listar nações com base em critérios “objetivos” como a etnia ou a língua. Mas Renan, ele também um nacionalista, não podia enxergar além do seu horizonte teórico e perceber que as nações são “comunidades imaginadas” (Benedict Anderson), construídas pela “invenção das tradições” (Hobsbawm & Ranger). Há dez dias, um referendo criou o mais novo Estado-Nação do mundo, Montenegro, separando a república balcânica da confederação que ainda a prendia à Sérvia.
Montenegro, com menos de 700 mil habitantes, dos quais 30% declaram-se sérvios, não se encaixa nos critérios “objetivos” que tradicionalmente identificavam uma nação. Os montenegrinos compartilham com os sérvios o cristianismo ortodoxo, o alfabeto cirílico e a língua sérvia. Eles, naturalmente, estão empenhados na produção de uma “comunidade imaginada” e seus intelectuais já teorizam sobre a singularidade do dialeto montenegrino, preparando sua elevação à categoria de língua distinta.
Será um empreendimento árduo. Submetido ao Império Otomano entre os séculos XVI e XIX, como principado teocrático e depois secular, o país engajou-se nas Guerras Balcânicas (1912-13) junto com a Sérvia e, após a Primeira Guerra Mundial, incorporou-se ao reino dos eslavos do sul que se tornaria a Iugoslávia. No passado montenegrino, não existem os monumentos da memória em torno dos quais se inventam tradições. Faltam-lhe heróis “nacionais”, vitórias militares gloriosas e amargas derrotas no campo de honra. O nacionalismo montenegrino só não deve ser classificado como “artificial” pois não existem nacionalismos “naturais”. Mas, ainda em 1992, na hora da implosão da Iugoslávia, um referendo em Montenegro confirmou a união com a Sérvia.
O que mudou, de lá para cá? A União Européia adotou uma moeda única e incorporou oito países do leste europeu, inclusive a antiga república iugoslava da Eslovênia. Na marcha rumo à união monetária, em 1996, Montenegro baniu a moeda sérvia e adotou o marco alemão, depois substituído pelo euro. Não foram os montenegrinos mas a burocracia européia de Bruxelas que impôs, como regra para o referendo da independência, a necessidade de uma maioria de 55% de votos favoráveis. Os proponentes da separação conseguiram 55,5%.
A pátria montenegrina é a União Européia. A mensagem será entendida em toda a Europa, particularmente em regiões como a Catalunha, o País Basco, a Valônia, a Lombardia e a Córsega. Uma tribo já pode ser um país.
“A nação é um referendo cotidiano”. A definição, do francês Ernest Renan (1823-92), foi uma resposta genial ao hábito do seu tempo de identificar e listar nações com base em critérios “objetivos” como a etnia ou a língua. Mas Renan, ele também um nacionalista, não podia enxergar além do seu horizonte teórico e perceber que as nações são “comunidades imaginadas” (Benedict Anderson), construídas pela “invenção das tradições” (Hobsbawm & Ranger). Há dez dias, um referendo criou o mais novo Estado-Nação do mundo, Montenegro, separando a república balcânica da confederação que ainda a prendia à Sérvia.
Montenegro, com menos de 700 mil habitantes, dos quais 30% declaram-se sérvios, não se encaixa nos critérios “objetivos” que tradicionalmente identificavam uma nação. Os montenegrinos compartilham com os sérvios o cristianismo ortodoxo, o alfabeto cirílico e a língua sérvia. Eles, naturalmente, estão empenhados na produção de uma “comunidade imaginada” e seus intelectuais já teorizam sobre a singularidade do dialeto montenegrino, preparando sua elevação à categoria de língua distinta.
Será um empreendimento árduo. Submetido ao Império Otomano entre os séculos XVI e XIX, como principado teocrático e depois secular, o país engajou-se nas Guerras Balcânicas (1912-13) junto com a Sérvia e, após a Primeira Guerra Mundial, incorporou-se ao reino dos eslavos do sul que se tornaria a Iugoslávia. No passado montenegrino, não existem os monumentos da memória em torno dos quais se inventam tradições. Faltam-lhe heróis “nacionais”, vitórias militares gloriosas e amargas derrotas no campo de honra. O nacionalismo montenegrino só não deve ser classificado como “artificial” pois não existem nacionalismos “naturais”. Mas, ainda em 1992, na hora da implosão da Iugoslávia, um referendo em Montenegro confirmou a união com a Sérvia.
O que mudou, de lá para cá? A União Européia adotou uma moeda única e incorporou oito países do leste europeu, inclusive a antiga república iugoslava da Eslovênia. Na marcha rumo à união monetária, em 1996, Montenegro baniu a moeda sérvia e adotou o marco alemão, depois substituído pelo euro. Não foram os montenegrinos mas a burocracia européia de Bruxelas que impôs, como regra para o referendo da independência, a necessidade de uma maioria de 55% de votos favoráveis. Os proponentes da separação conseguiram 55,5%.
A pátria montenegrina é a União Européia. A mensagem será entendida em toda a Europa, particularmente em regiões como a Catalunha, o País Basco, a Valônia, a Lombardia e a Córsega. Uma tribo já pode ser um país.
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