quarta-feira, setembro 02, 2009

O tigre acuado pela crise

 

Um dos chamados Tigres Asiáticos sofrem com o colapso econômico global, que se reflete no aumento das taxas de desemprego

Um dos chamados Tigres Asiáticos sofrem com o colapso econômico global, que se reflete no aumento das taxas de desemprego

02/09/2009

Patrícia Benvenuti

da Redação

O rápido crescimento da Coreia do Sul, especialmente na década de 1990, em princípio parece um bom exemplo a ser seguido por países pobres que pretendem um fortalecimento de suas economias.

A atração de capital externo por meio de "benefícios" como mão-de-obra barata, isenção de impostos e baixos custos para instalação de empresas foi uma marca do crescimento sul-coreano, patrocinado, por mais de três décadas, pelos diferentes governos militares que se sucederam no país.

O mesmo modelo foi adotado por Taiwan, Hong Kong e Cingapura que, junto com a Coreia do Sul, ficaram conhecidos como Tigres Asiáticos, pela agressividade de suas manobras para alavancar a economia.

Os riscos da dependência em relação ao capital estrangeiro e ao neoliberalismo, porém, aparecem em momentos de instabilidade, como a atual crise econômica mundial. Segundo a ativista sul-coreana Aehwa Kim, integrante da Aliança Coreana de Movimentos Progressistas, o país está perto de alcançar a marca de um milhão de desempregados, e a expectativa é de que o número de demissões no país possa aumentar.

Ao lado de Seung-Hun Lee, integrante do Partido Democrático Trabalhista da Coreia do Sul, Aehwa veio ao Brasil para conhecer organizações de camponeses. Em entrevista ao Brasil de Fato, a ativista fala sobre as consequências do colapso econômico sobre os trabalhadores sul-coreanos, agravadas pelo conservadorismo do atual governo, e revela, ainda, alguns dos interesses que impedem a reunificação das duas Coreias.

Brasil de Fato – A senhora poderia comentar um pouco sobre a atual conjuntura político-econômica da Coreia do Sul?

Aehwa Kim – Acho que a Coreia não é um caso atípico em termos dessas questões. Nós tivemos os mesmos problemas que outros países. O governo sul-coreano, tanto o anterior como o atual, tem promovido tratados de livre comércio e políticas neoliberais. As questões políticas estão se tornando cada vez mais não democráticas e, no momento, temos uma situação econômica muito difícil como, por exemplo, o índice de desemprego no país. Estamos esperando que a população de desempregados na Coreia, como um todo, chegue a um milhão de pessoas, e nossa população total está por volta de 48 milhões de pessoas. Mas esses são os números que o governo está lançando. Dois anos atrás, o governo coreano aprovou uma lei sobre trabalhadores irregulares [temporários, que têm um contrato curto de trabalho]. Como nós temos muitos trabalhadores irregulares, o governo decidiu protegê-los. Então, fez uma nova lei limitando o período pelo qual estes seriam contratados. Como consequência, uma empresa só pode contratar um trabalhador por dois anos. Se você contratar um trabalhador irregular por mais de dois anos, a empresa tem que mudar sua condição, para regular. O governo acredita que essa é uma ideia excelente porque os trabalhadores irregulares continuariam trabalhando depois de dois anos, e com isso, reduziria seu número. Mas a realidade é muito diferente. Existe um vazio na lei, que os empregadores usam. Antes de dois anos, despedem os trabalhadores. Hoje, eles só estabelecem contratos irregulares com os trabalhadores por um ano ou, no máximo, menos de dois anos. Ou seja, ele nunca vai trabalhar esses dois anos para se tornar regular. Se a empresa não fizesse isso e não procedesse irregularmente, essa lei seria boa.

Julho deste ano seria o limite para que os trabalhadores irregulares se tornassem efetivos, mas o atual governo reinterpretou essa lei e disse: como a economia da Coreia não está boa, para ativá-la e para facilitar os negócios para as empresas, expandiu esse período que a lei prevê. Com isso, esse processo foi empurrado para frente, sem definir a próxima data [para entrar em vigor]. Há dois anos estávamos lutando contra essa lei porque sabíamos que as empresas usariam essa brecha. Em vez de melhorar essa lei, que já não era boa, o governo a piorou.

Outra questão é a lei de mídia. Nós temos televisão pública, temos jornais e uma lei que diz que empresas de jornal não podem ser donas de televisão. O atual governo quer mudar isso, sob a alegação de competitividade. Os movimentos sociais e o Partido Liberal criaram uma coalizão juntamente com o Partido dos Trabalhadores e os partidos menores mas, mesmo assim, não temos o número suficiente [no Parlamento] para deter essa lei através do processo regular. Como consequência, ocupamos a Assembleia Nacional porque não tínhamos outra opção. O governo está, então, usando a situação econômica para mudar as leis trabalhistas e as leis de mídia.

Como a crise tem atingido o país?

Temos o índice do desemprego, que é muito sério. Além disso, a maior parte dos trabalhadores hoje é irregular, e nem trabalho temporário está fácil de conseguir. A indústria de automóveis, principalmente, têm reduzido o número de trabalhadores, como a Hyundai e a Kia. Uma empresa de carros chamada Ssangyong reduziu o número de trabalhadores e, agora, por dois meses, estes entraram em greve, ocuparam a fábrica. Eles não causaram nenhum problema na produção, ninguém tinha causado qualquer problema para a empresa e, de repente, perderam o emprego, foram demitidos. Por que nós vamos ter que perder nosso trabalho e eles não vão perder nada? Eles despediram mais de mil trabalhadores, metade do total. Esse é um exemplo da crise e das consequências e ações dos trabalhadores.

Em termos de propostas, o que surge por parte da classe trabalhadora?

Os sindicatos querem que o governo disponibilize recursos públicos para que as empresas garantam os empregos dos trabalhadores. Essa é a proposta dos sindicatos. O governo também queria mudar a lei do salário mínimo. Nela, existe um item específico que fala que todos têm que receber o salário mínimo, com exceção das pessoas com deficiência física e as pessoas acima de 60 anos. Então, para estas pessoas, a empresa pode pagar menos do que o salário mínimo. O que quer o governo coreano é expandir essa cláusula, mas o que nós queremos é aumentar o salário mínimo e criar restrições para qualquer tipo de exceção. É um governo extremamente desumano, o salário mínimo já é para os mais pobres e eles ainda querem diminuir a renda daqueles que já são muito pobres. Esse é um exemplo em que a desculpa é sempre a situação econômica.

Como tem sido então a relação das organizações progressistas com o novo governo?

Até dezembro de 2007, quando o novo presidente [Lee Myung-bak] entrou no poder, a gente teve um período relativamente bom. O governo anterior considerava todas as pessoas como povo e tentava mostrar que tinha a intenção de trabalhar para as pessoas comuns. Mas, agora, o atual governo praticamente retrocedeu, em mais de dez anos, para o período militar da Coreia. É uma situação semelhante à situação que nós tínhamos então, e nós temos que lutar contra o atual governo para voltar a esses dez anos democráticos em questões trabalhistas, de direitos humanos, da mídia, em todas as áreas da sociedade. Se fazemos hoje um pequeno protesto, a reação do governo é nos prender, colocar na cadeia, o que não acontecia no período democrático. A repressão aumentou muito.

Como está a relação entre as duas Coreias?

É muito importante enfatizar a relação da Coreia do Norte com a Coreia do Sul. Nos últimos dez anos, estava progredindo. Tivemos duas cúpulas entre as duas Coreias e também desenvolvemos uma relação de cooperação econômica, criando uma zona econômica especial perto da fronteira, um complexo industrial em Kaesong, localizado na Coreia do Norte. As empresas da Coreia do Sul estão investindo e iniciando operações lá. Nos últimos dez anos, nós podíamos ir para Kaesong, podíamos ir também para a capital da Coreia do Norte, que é Pyongyang, mas a população da Coreia do Norte não podia descer [para a Coreia do Sul]. Mas, desde que o novo governo entrou no poder, está se tornando cada vez mais difícil ir para a Coreia do Norte. O atual governo está se tornando uma obstrução para a construção de relações entre os dois países. Há também a questão nuclear. A Coreia do Norte lançou alguns satélites e fizeram testes nucleares. Como consequência, algumas leis agora estão apertando o cerco contra a Coreia do Norte. Os Estados Unidos fortaleceram as sanções econômicas ao país, que está se tornando mais isolado na comunidade internacional também em consequência das ações do nosso atual governo. A fronteira da Coreia do Sul com a Coreia do Norte, na realidade, é um resíduo da Guerra Fria. É o único lugar no mundo onde ainda existe esse resíduo que, no resto do mundo, não tem mais.

Como as organizações progressistas agem em relação à Coreia do Norte? Que ações estão sendo feitas?

Sob nossa rede de organizações, a Aliança Coreana de Movimentos Progressistas, temos muitas organizações trabalhando nos movimentos de paz e nas questões de reunificação. Por exemplo, temos uma organização chamada Coalizão Pan-coreana, que promoveu a declaração de 15 de junho [em 2000], quando os líderes da Coreia do Norte e da Coreia do Sul se encontraram em uma cúpula. Nessa declaração, eles determinavam uma reunificação pacífica, com respeito mútuo, e também para o desenvolvimento cooperativo de relações econômicas. Isso foi um momento muito importante para dissolver um período de tensão e conflito passar para uma relação de amizade e cooperação. Depois dessa declaração, nós pudemos desenvolver o complexo industrial de Kaesong. Os sul-coreanos costumavam pensar na Coreia do Norte como um país extremamente hostil antes dessa cúpula, mas depois disso, passaram a adotar uma posição diferente. Agora, estamos entrando em uma nova fase porque, com o novo governo, isso está sendo revertido, e a população da Coreia do Sul começa a ver novamente a Coreia do Norte como um país hostil, com quem eles não podem ter nenhuma relação de amizade. Isso é construído pelo governo dos Estados Unidos e também pela mídia local. A declaração de 15 de junho foi assinada pelos dois líderes das duas Coreias e, por isso, nós temos que lutar para manter e respeitar essa declaração. Mas o que o atual governo está fazendo é ignorá-la. E a Coreia do Norte pensa: “se você ignora a declaração assinada pelo antigo governo, então também não vamos poder respeitar a sua posição”. Isso significa que a Coreia do Norte começa a ver a Coreia do Sul como uma ameaça. O objetivo principal das pessoas agora é o movimento de reunificação, mas os Estados Unidos e o governo sul-coreano ignoram esse desejo. Por isso, temos que lutar contra os governos estadunidense e sul-coreano, porque eles são o principal obstáculo para a reunificação.

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