terça-feira, julho 15, 2008

Rússia e China barram sanções contra Zimbábue no CS da ONU

 

“A situação no Zimbábue não ameaça a paz nem a segurança regional, muito menos a internacional”, afirmou o embaixador russo

A tentativa dos Estados Unidos de ampliar as sanções contra o Zimbábue, com base em não reconhecimento do processo eleitoral vivido recentemente pelo país africano que reelegeu o líder da libertação nacional, Robert Mugabe, foi barrada através do veto da Rússia e da China no Conselho de Segurança da ONU.

“A ONU teria criado um precedente perigoso, abrindo caminho para a interferência do Conselho de Segurança nos assuntos internos de Estados em conexão com eventos políticos em grosseira violação da Carta de Fundação da ONU”, destacou a delegação russa ao justificar sua decisão, tomada na reunião do dia 11 de julho, na sede da ONU em Nova Iorque.

“A situação no Zimbábue não ameaça a paz nem a segurança regional, muito menos a internacional”, acrescentou o embaixador da Rússia, Vitaly Churkin. “Estamos convencidos que os problemas internos do Zimbábue devam ser solucionados através do diálogo político entre o governo do Zimbábue e a oposição”, acrescentou Churkin.

G8

Depois de ter frustrada sua tentativa de aprovar críticas ao Zimbábue, sem obter aval da África do Sul e outros países do continente - chamados ao G8 para lhe fazer coro - e após colher nova derrota na ONU, o embaixador de Bush no organismo declarou que a posição Russa era “perturbadora” e tentou ameaçar:  “A posição da Rússia questiona sua confiabilidade como parceiro do G8”.

“As críticas dos EUA e da Inglaterra é que são inaceitáveis”, afirmou o embaixador russo. “Os representantes destes países declararam que o nosso voto traiu os acordos do G8 em Tóquio. É a representação dos EUA e Inglaterra de uma proposta de resolução inadequada, que fere a abordagem coletiva expressa no Japão, e que não menciona nenhum movimento como o que eles realizaram no Conselho de Segurança da ONU”.

A Rússia “está firmemente convencida de que os problemas do Zimbábue não podem ser resolvidos elevando-os à categoria de ameaça à paz e à segurança”, concluiu Churkin.

O veto da Rússia foi acompanhado pela China, cujo embaixador, Guangya Wang, afirmou: “A preocupação do meu governo é que a adoção desta resolução seria contraproducente para as iniciativas e esforços realizados pelos africanos para encontrar uma solução no Zimbábue. Neste momento, há negociações e diálogo na África do Sul que necessitam nossa ajuda, mas não com uma resolução deste tipo”.

A África do Sul, a Líbia e o Vietnã também se opuseram à resolução – que tampouco contou com o apoio da Indonésia, que preferiu se abster. Votaram com a proposta norte-americana, além da Inglaterra, Buskina Fasso, Costa Rica, Panamá, Croácia, Itália, França e Bélgica.

Com a proposta, os EUA queriam que as sanções impostas ao Zimbábue desde 2001 se ampliassem, que os ativos zimbabuanos fora do país fossem congelados e que o presidente Mugabe e outras 13 lideranças nacionais fossem impedidos de viajar para fora das fronteiras de seu país.

O embaixador do Zimbábue, Boniface Chidyausiku, destacou que a situação do país não representa uma ameaça à paz nem à segurança e portanto não compete sua discussão no Conselho de Segurança da ONU.

UNIDADE

Os governos dos EUA e da Inglaterra queriam anular a vitória da unidade do povo obtida no segundo turno das eleições presidenciais no Zimbábue, quando mais de 2 milhões votaram em Robert Mugabe, contra pouco mais de 200 mil a favor do candidato das duas potências imperiais, Morgan Tsvangirai. Pressentindo a derrota acachapante que o esperava, Tsvangirai retirou sua candidatura dias antes.

EUA e Inglaterra queriam expandir e legitimar através da resolução na ONU sua agressão ao Zimbábue com a imposição de sanções desde 2001, quando Mugabe comandou uma ampla reforma agrária distribuindo terras dos ex-colonos aos que compõem a maioria no campo.

Aliás, foram os próprios integrantes do partido de Tsvangirai que assumiram que a reforma seria desfeita uma vez conquistado o governo pelo MDC, seu partido. Declarações estas que serviram para alertar o povo para os riscos de volta do país à condição de colônia.

O intento de destruir a reforma agrária de Mugabe ficou evidente quando a própria resolução apresentada pelos EUA na ONU – cujo pretexto era a contraposição à violência governamental no processo eleitoral – destaca, no entanto, acusações ao ministro da Agricultura (no período em que ocorreu a reforma), Joseph Made, por supostamente “destruir o setor agrícola e o comércio rural”, acusação injusta e sem nenhuma relação com a alegada violência eleitoral que teria ocorrido durante o pleito recente.

O analista político zimbabuano, Maxwell Hove, em entrevista à revista Sunday Mail, publicada no país, defendeu a reforma e apontou as reais intenções dos que propuseram a resolução contra o país: “O que eles chamam de destruição da agricultura do Zimbábue foi o poder entregue ao povo. Assim sendo, as sanções são para atingir a reforma agrária e reverter suas conquistas”.

 

 

Governo Mugabe denuncia objetivo das sanções contra o país:

“Os EUA e a Inglaterra queriam usar a ONU para instalar um regime de marionetes em nosso país”

O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, afirmou estar “feliz” com o veto da China e da Rússia à tentativa de imposição de mais sanções ao país.

O ministro da Informação do Zimbábue, Sikhanysio Ndlovu, transmitiu em nome do governo o reconhecimento ao veto dos dois países no Conselho de Segurança.

“Gostaríamos de agradecer aos países que nos apoiaram nas Nações Unidas, e gostaríamos de dizer a estes países que não vamos desapontá-los no encaminhamento para uma solução própria de nossos problemas” afirmou o ministro.

“O veto de ontem nas Nações Unidas foi uma vitória diplomática internacional, não apenas para o Zimbábue, mas para toda a África, a Comunidade para o Desenvolvimento do Sul da África e os países em desenvolvimento”, acrescentou.

Ndlovu também transmitiu o agradecimento “ao presidente sul-africano Thabo Mbeki, que se mostrou um líder por excelência ao não se curvar às pressões internacionais e às maquinações lideradas pelos EUA e Inglaterra”.

O ministro disse que a vitória foi “bem-vinda, pois EUA e Inglaterra queriam usar a ONU com a finalidade de abrir espaço para instalar um regime de marionetes a seu serviço em nosso país. Queriam praticar o racismo internacional na ONU e a entidade se recusou a isso. Não somos uma colônia britânica, estamos felizes de que a razão prevaleceu, e esperamos que tais coisas nunca aconteçam novamente”.

A África do Sul também saudou o veto da Rússia e China. Ronnie Mamoepa, porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores da África do Sul, declarou que seu país votou contra a proposta dos EUA em acordo com a recente decisão da cúpula da União Africana de “encorajar o presidente Robert Mugabe e líderes do MDC a iniciarem o diálogo para a estabilidade e reconciliação do povo do Zimbábue”.

 

Alfabetização chega a 95% no Zimbábue

“Não foram a ONU, os Estados Unidos, a Grã Bretanha nem o G-8 os que expulsaram a ditadura dos racistas do poder no Zimbábue, mas a luta armada de dois movimentos de libertação; um liderado por Joshua Nkomo e outro por Robert Mugabe, que em 1976 se uniram para criar a Frente Patriótica, proclamando a independência em 1980” afirmou Jorge Gómez Barata, professor, jornalista e pesquisador cubano, se referindo à tentativa fracassada de Washington de aplicar mais sanções contra o país africano.

“O que os EUA e Londres querem não é um Zimbábue mais democrático, eles querem é um Zimbábue servil”, assinalou, mostrando que o verdadeiro motivo dos ataques é que as enormes riquezas minerais que existem na região são defendidas por um governo soberano, que não aceita voltar ao domínio colonial.

O professor cubano lembra que esteve no país em 1980. “Depois de um complicado processo e de uma intensa luta armada, catorze anos antes que Nelson Mandela saísse do cárcere, em meio à guerra em Angola, proclamou-se a independência do Zimbábue e Robert Mugabe, um negro, assumiu a Presidência num dos dois países governados por brancos na África Negra, alma gêmea da África do Sul”, sublinhou.

Ressaltando as dificuldades, o peso na economia e os privilégios dos brancos num país em que o apartheid tinha sido banido, mas ainda o marcava, Gómez apontou “a habilidade e inteligência de Mugabe para aplicar políticas econômicas e sociais apropriadas, com as quais a população negra conquistava impressionantes avanços”.

O governo tornou a educação um direito humano básico, construiu muitas escolas nas áreas rurais e bairros pobres urbanos e, hoje, o Zimbábue é a nação com mais alto índice de educação de toda a África, com o maior nível de alfabetização que atinge cerca de 95%. “Numa década se obtiveram enormes avanços sociais e culturais, se reduziu a mortalidade infantil a 60 por mil nascimentos, se atingiu a maior média de vida de toda a África e se avançou na luta contra a fome e a pobreza”, disse.

O jornalista assinalou que, “agravadas pela desintegração da União Soviética, na década de 90, fortes sanções inglesas e norte-americanas trouxeram tempos difíceis para o povo do Zimbábue, cujo governo reagiu no mesmo espírito revolucionário que o manteve e o levou à vitória durante a luta de libertação nacional. Diante da hostilidade imperialista, tem buscado desenvolver soluções nacionais para fazer com que o país cresça”.

O governo do presidente Mugabe dirigiu um programa acelerado de reforma agrária a partir do ano 2000, vinte anos depois da independência. A demora em iniciar este programa foi provocada pela Constituição imposta sobre o Zimbábue durante as negociações de paz de 1979. Foram negociações que levaram às eleições e à independência do país. Porém, a Constituição continha cláusulas que proibiam a aquisição e redistribuição de terras nos dez primeiros anos depois da independência. Após expirar as cláusulas restritivas nos anos 90, as tentativas do governo de adquirir e redistribuir terra se depararam com uma intransigência dos fazendeiros e do governo inglês, que se recusou a liberar recursos de acordo com seus compromissos firmados. Em 1998, camponeses e veteranos da guerra de libertação deram início à ocupação das terras dos fazendeiros em todo o país.

As dificuldades de contar com sementes, água, fertilizantes, ferramentas, técnicos, máquinas, e créditos, fruto da ingerência externa, atrasaram o desenvolvimento, “circunstância aproveitada por uma oposição oportunista que nunca fez nada pelo país e agora assume os interesses dos descendentes dos colonialistas e acena aos EUA e a Londres”, denunciou o professor cubano, frisando que a política do Zimbábue “concerne só ao seu povo”.

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