Quinta-Feira - 23/10/2008
A Itália conheceu, em 2008, o maior índice de imigração estrangeira da história do país. Fotos: Mara Rocha
Por Mara Rocha
No início do século XX, muitos italianos deixaram a sua terra natal, fugindo de uma Itália castigada pelas guerras. Criaram raízes em países promissores como os Estados Unidos, Argentina e Brasil. Desembarcaram em terras estrangeiras com as malas de papelão repletas de histórias e sonhos. Acrescentaram aos seus locais de destino os seus costumes e tradições. Quase um século depois, o processo se inverte e a Itália conhece, em 2008, o maior índice de imigração estrangeira da história do país. Provenientes da Europa do Leste, África, América Latina, Ásia, os imigrantes estrangeiros chegam em solo italiano, muitos sem falar a língua local, e precisam enfrentar as adversidades culturais, a nostalgia de casa e os problemas sociais da Itália em tempos de crise.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (ISTAT), são 3.432.651 cidadãos estrangeiros registrados nas “anagrafi” das 8.101 prefeituras – um aumento de 16,8% (493.729) com relação ao ano passado – e 570 mil clandestinos – quase 1% da população italiana – nas contas da Comissão da União Européia (Ue). No auge da crise financeira mundial, a economia italiana se encontra instável, e o “boom” nas imigrações agrava os problemas sociais do país despreparado para tal crescimento populacional. No primeiro semestre de 2008, o desemprego atingiu a marca de 6,7% (trezentas mil pessoas sem emprego), o maior índice dos últimos dois anos, divulgou o ISTAT.
Como conseqüência, aumentaram também os casos de racismo. No último mês, o chinês Tong Hong-Shen (36) foi agredido, em Roma, por uma gang de adolescentes e o afrodescendente Abdoul Guiebre (19) foi assassinado a pauladas, em Milão, por Fausto Cristofoli e seu filho Daniele. No mesmo período, o ganese Emmanuel Bonsu (22) foi preso por engano em Parma e chamado de negro porco, enquanto apanhava dos policiais.
Os crimes cometidos por estrangeiros é um outro agravante da intolerância racial. De acordo com o Ministero dell’Interno, cerca de 35% dos crimes na Itália (um a cada três) são cometidos por imigrantes, principalmente clandestinos.
Como medida de controle da entrada de clandestinos e ação dos imigrantes estrangeiros na Itália, o governo lançou este ano o projeto de lei chamado “pacchetto sicurezza”. Dentre as medidas do “pacchetto”, estão as penas de seis meses a quatro anos de prisão para o imigrante clandestino (clandestinidade agora é crime) e a expulsão do estrangeiro condenado a dois ou mais anos de reclusão (antes, o mínimo era de dez anos). O cidadão que alugar um imóvel a um estrangeiro sem visto de permanência terá a propriedade confiscada pelo governo. Maior fiscalização para casamentos entre italianos e estrangeiros: antes da oficialização do matrimônio, o casal precisará de uma permissão que sairá após dois anos de convivência, evitando assim os casamentos de conveniência. Quanto às transferências internacionais de dinheiro, as agências deverão exigir a cópia do documento de identidade italiano do cliente para não serem fechadas.
No livro "Viaggio in un’Italia diversa", de Bruno Vespa, o presidente da Câmara dos Deputados Gianfranco Fini (Alleanza Nazionale) defendeu uma maior facilitação nos processos de visto de permanência para os clandestinos com trabalho e sem problemas com a Justiça italiana. Segundo Fini, é o único modo para evitar peripécias inúteis dos clandestinos para conseguirem um visto de ingresso na Itália. O presidente da Câmera se refere aos estrangeiros como a brasileira R.S. (36), que entrou na Itália como turista (tempo de permanência máximo permitido é de três meses), onde mora clandestinamente já há um ano. R.S. trabalha sem carteira assinada como faxineira e babá para algumas famílias italianas e divide apartamento com outros dois estrangeiros na mesma condição dela. Com o dinheiro arrecadado pela brasileira (1.200 euros), ela sustenta os seus três filhos no Brasil.
Provenientes do Leste Europeu, África, América Latina e Ásia, imigrantes estrangeiros chegam a Itália, muitos sem falar a língua local, e se inserem nos problemas sociais enfrentados pelo país em tempos de crise
“Envio, todos os meses, oitocentos euros para casa”, conta. Um dos patrões de R.S. deu entrada no processo de visto de trabalho da funcionária sete meses atrás, mas a brasileira ainda não obteve uma resposta das autoridades italianas. Enquanto aguarda o visto, R.S. planeja o futuro: “uma vez com meus documentos italianos, vou fazer um curso de enfermagem. Quero buscar uma profissão que me dê uma vida digna” - preconiza.
O equatoriano P.G. (30) chegou na Itália em 2005. Sem falar italiano nem conhecer ninguém, viu-se desempregado e passou a se prostituir em uma sauna gay. Em uma noite, já chegou a fazer quatorze programas. “Um recorde na sauna em que trabalho”, conta. Recebe, em média, quatro mil euros por mês e paga quinhentos euros ao dono da sauna para dormir em um quarto com outras cinco pessoas. No Equador, somente uma de suas irmãs conhece a sua atividade na Itália. P.G. reclama da solidão de sua vida clandestina. “Não possuo amigos e quando vou à rua, me sinto julgado pelos desconhecidos à minha volta”, desabafa. O equatoriano sonha com o retorno ao seu país de origem, mas tem medo de voltar e ficar sem emprego. “Pretendo juntar dinheiro para não voltar com uma mão na frente e outra atrás”.
Margit Nagy deixou a Hungria há nove anos. Entrou como turista, quando a Hungria ainda não fazia parte da União Européia (ingressou em 2003). Por três anos, permaneceu na Itália como clandestina. Na ocasião, dirigiu um Centro de Estética sem possuir a documentação italiana. Teve a carteira assinada quando trabalhou como doméstica para uma empresa de limpeza e, mais tarde, em uma creche. Agora, casada e com a cidadania italiana, não consegue emprego. “Achei que com a minha cidadania, conseguiria um trabalho, mas não é tão fácil. Só consigo “bicos”, reclama.
A nigeriana Thomas Esther (38) também entrou na Itália como turista, em 1990, e ficou clandestinamente. Sem os documentos italianos, fez “bicos” como faxineira e garçonete, ganhando o suficiente para sobreviver. No início, passou por dificuldades por não falar italiano e ser clandestina em uma Itália ainda desacostumada com a imigração africana. “A vida foi muito difícil para todos os negros dos anos 90. Fomos os primeiros a chegar aqui. No ônibus, as senhoras, antes de se sentarem, limpavam os bancos quando se levantava um negro”, conta. O visto de permanência da nigeriana chegou quatro anos depois quando ela se casou com um italiano, com quem teve três filhos. Hoje, possui uma loja de produtos alimentícios importados. “Estou bem agora. Trabalhei muito, fiz muitos cursos e depois preferi voltar às minhas origens. Trabalho em uma galeria cheia de estrangeiros e vendo produtos do mundo inteiro”.
Esther não esqueceu dos momentos de dificuldade vividos na Itália e ajuda muitos estrangeiros que não tiveram a sua mesma sorte dando abrigo e bons conselhos. Aos estrangeiros que sonham em morar na Itália, ela adverte “É preciso se preparar para o futuro, porque depois se chegará aos 60 anos. Não dá para trabalhar como garçonete a vida inteira ou sonhar com o príncipe encantado italiano. Quem chega aqui sem instrução não consegue nada. Se não tiver uma profissão, venha com a idéia de estudar e seguir uma carreira”.
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