quarta-feira, abril 23, 2008

O que estamos fazendo no Haiti?

O que estamos fazendo no Haiti?
A situação do Haiti poderia ser a história de qualquer pequena nação empobrecida e ocupada por forças de paz internacionais, que encobrem o intervencionismo das grandes potências. Contudo, a situação é diferente: desta vez, a missão está dirigida por governos de esquerda e progressistas: Brasil, Uruguai, Argentina, Equador e Bolívia.
Pablo Stefanoni*
Há alguns dias, os haitianos saíram às ruas para protestar contra o brutal aumento nos preços dos alimentos. A resposta da Polícia —apoiada pela Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah)— foi a repressão, que custou a vida de pelo menos cinco manifestantes e provocou meia centena de feridos.
O Haiti não é apenas a nação mais pobre da América Latina, senão que foi o primeiro país americano que declarou sua independência, como protagonista de uma heróica rebelião de escravos. Mas sua economia foi saqueada sem piedade pela longuíssima ditadura dos Duvallier (1957-1986), primeiro o pai e depois o filho, apoiados pela França e pelos EUA.
Em 1991 foi eleito presidente o ex-sacerdote e líder popular Jean-Bertrand Aristide. Mas depois de uma primeira derrocada e da sua volta ao poder —já muito distante das suas posições progressistas iniciais—, foi derrotado e seqüestrado por um golpe militar apoiado, de novo, pela França e os EUA.
Apesar de estar no meio do Caribe, o Haiti é um grande deserto, conseqüência do desmatamento criminoso, e seus bairros populares acabaram se transformando em grandes lixeiras. Segundo um relatório de Serpaj, o Haiti produzia, há 20 anos, 95% do arroz que consumia e hoje importa 80% dos EUA.
Até aqui, esta poderia ser a história de qualquer pequena nação empobrecida e ocupada por forças de paz internacionais, que encobrem o intervencionismo das grandes potências. Contudo, a situação é diferente: esta vez, a missão está dirigida por um governo de esquerda —o do Brasil—e dela participam vários outros governos progressistas: Uruguai, Argentina, Equador... e Bolívia.
É por isso que nos surge a pergunta: as nossas tropas deveriam estar no Haiti, ombro a ombro com os exércitos de ocupação dos EUA e da França, atirando contra as manifestações populares com a desculpa de que se trata de gangues criminosas (que obviamente também existem)? Não deveria ser outra a maneira de apoiar os povos irmãos do continente por parte de governos progressistas? Por acaso não elogiamos —com justiça— a atitude de Cuba, que manda médicos para salvar vidas e não militares para acabar com elas? Finalmente, o papel da esquerda é “humanizar” as missões internacionais organizadas pelas grandes potências?
Até agora o silêncio é a única resposta para estas perguntas.
*Diretor Le Monde Diplomatique-Bolívia
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores
Agência Carta Maior

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