quarta-feira, abril 30, 2008

Onda direitista preocupa brasileiros na Itália

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A crise dos alimentos

A crise dos alimentos

quarta-feira, abril 23, 2008

O que estamos fazendo no Haiti?

O que estamos fazendo no Haiti?
A situação do Haiti poderia ser a história de qualquer pequena nação empobrecida e ocupada por forças de paz internacionais, que encobrem o intervencionismo das grandes potências. Contudo, a situação é diferente: desta vez, a missão está dirigida por governos de esquerda e progressistas: Brasil, Uruguai, Argentina, Equador e Bolívia.
Pablo Stefanoni*
Há alguns dias, os haitianos saíram às ruas para protestar contra o brutal aumento nos preços dos alimentos. A resposta da Polícia —apoiada pela Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah)— foi a repressão, que custou a vida de pelo menos cinco manifestantes e provocou meia centena de feridos.
O Haiti não é apenas a nação mais pobre da América Latina, senão que foi o primeiro país americano que declarou sua independência, como protagonista de uma heróica rebelião de escravos. Mas sua economia foi saqueada sem piedade pela longuíssima ditadura dos Duvallier (1957-1986), primeiro o pai e depois o filho, apoiados pela França e pelos EUA.
Em 1991 foi eleito presidente o ex-sacerdote e líder popular Jean-Bertrand Aristide. Mas depois de uma primeira derrocada e da sua volta ao poder —já muito distante das suas posições progressistas iniciais—, foi derrotado e seqüestrado por um golpe militar apoiado, de novo, pela França e os EUA.
Apesar de estar no meio do Caribe, o Haiti é um grande deserto, conseqüência do desmatamento criminoso, e seus bairros populares acabaram se transformando em grandes lixeiras. Segundo um relatório de Serpaj, o Haiti produzia, há 20 anos, 95% do arroz que consumia e hoje importa 80% dos EUA.
Até aqui, esta poderia ser a história de qualquer pequena nação empobrecida e ocupada por forças de paz internacionais, que encobrem o intervencionismo das grandes potências. Contudo, a situação é diferente: esta vez, a missão está dirigida por um governo de esquerda —o do Brasil—e dela participam vários outros governos progressistas: Uruguai, Argentina, Equador... e Bolívia.
É por isso que nos surge a pergunta: as nossas tropas deveriam estar no Haiti, ombro a ombro com os exércitos de ocupação dos EUA e da França, atirando contra as manifestações populares com a desculpa de que se trata de gangues criminosas (que obviamente também existem)? Não deveria ser outra a maneira de apoiar os povos irmãos do continente por parte de governos progressistas? Por acaso não elogiamos —com justiça— a atitude de Cuba, que manda médicos para salvar vidas e não militares para acabar com elas? Finalmente, o papel da esquerda é “humanizar” as missões internacionais organizadas pelas grandes potências?
Até agora o silêncio é a única resposta para estas perguntas.
*Diretor Le Monde Diplomatique-Bolívia
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores
Agência Carta Maior

Fidel Castro: 49 anos no poder —

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Sismicidade brasileira

Sismicidade brasileira
Terremotos no Brasil

" TIO SAM E A POLÍTICA DO BIG STICK "

" TIO SAM E A POLÍTICA DO BIG STICK "

* Manuel Cambeses Júnior

A história das intervenções dos Estados Unidos no mundo vem de longa data. Quando aparece um foco desestabilizador ou um fato social que exija uma pronta-resposta política, ou qualquer manifestação que ameace os seus interesses, a resposta, indefectivelmente, é a aplicação da força para neutralizar a adversidade. Força que, de modo contumaz, atua de forma indireta através de mecanismos camuflados que justificam sua presença como, por exemplo, a luta contra o narcotráfico. Porém, habitualmente, costumam atuar diretamente passando por cima das normas do Direito Internacional atropelando, avassaladoramente, a soberania dos povos e a própria Organização das Nações Unidas.

De um modo geral, a intervenção direta ou indireta dependerá da gravidade da situação. O grau de escalonamento da intensidade da força a empregar será diretamente proporcional à complexidade da conjuntura que se apresente.

Desde o século da emancipação datam essas intervenções. Em 1826, quando o prócer venezuelano Simón Bolivar convocou o Primeiro Congresso Pan-americano no Panamá, tentou levantar o tema da liberação de Cuba e de Porto Rico que ainda permaneciam no poder da Espanha. Porém, as manobras estadunidenses conseguiram boicotá-lo e o congresso fracassou. A partir de então, e durante o restante do século XIX e de todo o Século XX, as intervenções militares formam parte da estratégia global dos Estados Unidos.

O México sofreu enormes perdas territoriais para ao norte-americanos. A Guerra da Anexação, a partir de 1846, desencadeou a ocupação do Texas área de 690.000 Km2 pertencente ao México desde 1821 e da Califórnia, com seus 411.012 Km2, na costa do Pacífico. Pelo Tratado de Guadalupe Hidalgo, assinado em 02 de fevereiro de 1848, os estadunidenses consolidaram, definitivamente, a anexação destas terras mexicanas ao seu vasto território.

Em 1914, 23.000 marines desembarcaram em Tampico, no México. Com sua frota de cinqüenta navios, apoderaram-se da cidade levando oito milhões de dólares dos cofres da alfândega.

Em 1916, intervieram na República Dominicana e lá permaneceram até 1924. Em 1963, voltaram a intervir naquele País retirando Juan Bosch do poder. El Salvador foi invadido em 1921. Em Honduras, no ano de 1924, o novo presidente foi designado a bordo do encouraçado Tacoma. Algo similar fizeram no Haiti. Em 17 de dezembro de 1914, os marines do cruzeiro Machias desembarcaram naquele país e subtrairam quinhentos mil dólares do Banco Nacional. Em julho de 1915, com o propósito de querer ensinar democracia aos haitianos, voltaram àquele País onde permaneceram por 19 anos.

Entre os dias 6 e 8 de agosto de 1945, aviões da Força Aérea norte-americana (USAF), atacaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, utilizando, pela primeira vez na História, armamento nuclear, provocando milhares de mortes no seio da população civil japonesa.

Entre os anos de 1950 e 1953, em resposta a pedido da Organização das Nações Unidas, os norte-americanos enviaram tropas para defender a Coréia do Sul, que fora invadida pela Coréia do Norte. Neste embate perderam 33.000 mil homens.

Em 1956, durante os combates no Canal de Suez, a Sexta Frota dos Estados Unidos evacua 2.500 americanos que viviam na região e obriga a coalizão franco-israelense-britânica a retirar-se do canal.

Entre os anos de 1961 e 1975, os estadunidenses engajaram-se na Guerra do Vietnã como aliados dos sul-vietnamitas. Nesta malfadada guerra, um verdadeiro fracasso para as Forças Armadas, que chegaram a ter na região um efetivo militar de 550 mil soldados, na tentativa de impedir a formação de um Estado comunista, no sul do Vietnã, os norte-americanos perderam, além da guerra, 55 mil homens.

No ano de 1965, uma tropa composta por 35 mil fuzileiros e pára-quedistas desembarcaram em São Domingo (República Dominicana) para impedir a escalada comunista. O país já fora ocupado, pelos americanos, de 1916 a 1924.

Em agosto de 1925 as tropas yankees sairam da Nicarágua depois de treze anos de ocupação; porém, em dezembro de 1926, desembarcaram novamente com 2000 soldados para enfrentar Augusto Cesar Sandino.

Nos anos oitenta, se inicia a invasão silenciosa. O Irangate demonstrou claramente a intervenção dos Estados Unidos na Nicarágua como supridor de fundos e de armas dos "contras", utilizando Honduras como base principal das operações.

Em maio de 1954, aviões estadunidenses bombardearam as cidades de Porto Barrio e Porto São José, na Guatemala. Em 17 de abril de 1961, devidamente autorizado pelo presidente John Kennedy, a CIA organizou a invasão de Cuba estabelecendo uma cabeça-de-praia na Baia dos Porcos.

A intervenção no Chile e a deposição do presidente Salvador Allende, em setembro de 1973, é amplamente conhecida devido aos documentos secretos da ITT, ao informe Covert Action apresentado ao Senado norte-americano pela Comissão Church e outros documentos recentemente levantados.

Na data de 23 de outubro de 1983, os americanos bombardeiam posições sírias no Líbano, depois de acusar a Síria por um atentado ao quartel-general americano em Beirute.

Em 25 de outubro de 1983, cerca de 1.900 soldados americanos desembarcam na pequena ilha de Granada, no Caribe, onde o primeiro-ministro acabara de ser assassinado. O objetivo alegado para a invasão era impedir a expansão do comunismo na América Latina.

No dia 15 de abril de 1986, os EUA bombardearam bases militares em Trípoli e Bengazi alegando que estavam ocorrendo vários atentados contra cidadãos norte-americanos, naquelas localidades.

Em 20 de dezembro de 1989, os EUA invadem o Panamá com 24.000 marines que somaram-se aos 12.000 permanentemente estabelecidos, à época naquele país. Nessa oportunidade, aproveitaram para prender o presidente Manoel Noriega e conduzí-lo acorrentado a um cárcere na Flórida, julgá-lo e condená-lo à prisão perpétua. Guillermo Endara que possuia vínculos muito estreitos com os invasores, foi juramentado presidente na base militar norte-americana de Fort Gulick, na zona do canal.

A operação "Tempestade no Deserto" desencadeada durante a Guerra do Golfo, em 1991, tinha como objetivo libertar o Kuwait, ocupado pelas tropas do presidente iraquiano Saddam Hussein, arquiinimigo dos estadunidenses.

Ainda em 1991, a CIA infiltrou-se em Porto Príncipe para comandar o afastamento do presidente Aristide.

No ano de 1993, o presidente Bill Clinton ordena um ataque à instalações militares iraquianas, em retaliação a um suposto atentado contra o ex-presidente George W. Bush, em visita ao Kuwait.

Já em 1995, os EUA enviam tropas para Tuzla, no norte da Bósnia, para garantir a assinatura do acordo de paz entre Sérvia, Croácia e Bósnia.

Durante o ano de 1998, em resposta a atentados anti-americanos na África, bombardeios simultâneos são feitos contra uma base terrorista islâmica no Afeganistão e uma fábrica de remédios em Cartum, suspeita de produzir armas químicas.

No transcorrer do ano de 1999, os americanos comandam os bombardeios da OTAN à Iugoslávia até a retirada das forças sérvias do Kosovo para deter a perseguição de minoria albanesa.

Atualmente, estamos assistindo a investida das forças militares estadunidenses no Afeganistão, em resposta aos violentos ataques terroristas perpetrados, simultaneamente, por fanáticos talibãs, nas cidades de Washington e Nova York.

A História é testemunha inconteste das intervenções hegemônicas dos EEUU, e tudo leva a crer que continuará da mesma maneira no transcorrer do Século XXI. A implementação do "Plano Colômbia" e os freqüentes pronunciamentos de autoridades norte-americanas, sobre a nossa soberania na Amazônia, certamente merecem uma profunda reflexão.

Diante deste catastrófico e preocupante cenário cabe-nos a seguinte indagação: até que ponto a Nação brasileira manter-se-á imune às demonstrações de violência explícita dos sobrinhos de "Tio Sam"?


  • o autor é Coronel-Aviador e Chefe da Divisão de Assuntos Internacionais da Escola Superior de Guerra

    Trabalho 3ºano CMA Bibliografia pré-selecionada

    Dicas de livro: O Mundo Contemporâneo, Autor Demétrio Magnoli
    Século XX: uma biografia não autorizada, Emir Sader
    Livros de Geografia e História do Ensino Médio em geral

    http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/eua_monroe.htm
    http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/roosevelt_dolar.htm
    http://www.brasilescola.com/geografia/doutrina-monroe.htm
    http://64.233.169.104/search?q=cache:hjPGt2FlZkUJ:www.vestibular1.com.br/revisao/doutrina_monroe.doc+doutrina+monroe&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=5&gl=br
    http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/a-doutrina-monroehttp://www.vestibulareconcursos.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=325
    http://www.unificado.com.br/calendario/12/doutrina_monroe.htm
    http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Doutrina_Monroe.html
    http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/euaxmexico.htm
    http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2004/09/07/000.htm
    http://diplo.uol.com.br/2003-05,a649http://meuartigo.brasilescola.com/historia-geral/estados-unidosdestino-manifesto.htm
    http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=663
    http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2002/10/06/000.htm

    quarta-feira, abril 16, 2008

    Matilde, fale-nos sobre o Quênia

    Os racialistas daqui conhecem os de lá. Juntos, participam de redes internacionais de ONGs, patrocinadas pelas mesmas organizações e fundações filantrópicas, que promovem incontáveis seminários sobre diversidade, etnia e raça. Eles estiveram todos no Fórum Social Mundial de Nairóbi, no Quênia, há um ano. Duvido que os racialistas daqui não saibam que os de lá não acreditam na existência de “afrodescendentes”, pois reconhecem que não há algo como uma “cultura africana”. Mas os racialistas de lá, como os daqui, repelem os conceitos de nação e cidadania, dedicando-se, noite e dia, a traçar linhas divisórias entre etnias e a advogar políticas de ação afirmativa baseadas em classificações étnicas.
    África, de fato, não existe a não ser como denominação geográfica. Figuras como uma “cultura africana” ou “africanidade” são artefatos ideológicos: a única característica geral da África é a diversidade. Mas essa diversidade expressa-se em múltiplos níveis, desde o pequeno clã até grandes nações. Ela está em fluxo permanente e não pode ser congelada nas categorias étnicas elaboradas pelos colonizadores, que também são artefatos ideológicos.
    Nos tempos coloniais, sob os britânicos, o censo do Quênia adotou o procedimento de classificar os habitantes do país segundo critérios fabricados pela antropologia européia. Depois da independência, a etnia infiltrou-se no jogo político, convertendo-se em fonte de chantagens sem fim das elites tribais em busca de cargos governamentais e sinecuras públicas. Em 1999, quando o regime de Daniel Arap Moi afundava-se em uma crise terminal, o censo aboliu as classificações étnicas. O Minority Rights Group, ONG britânica financiada, entre outros, pela Fundação Ford, faz campanha ativa no Quênia pela classificação censitária das etnias – e oferece como subsídio o seu próprio quadro étnico do país, que é uma reconstrução atualizada da “etnografia científica” dos colonizadores.
    Sob Jomo Kenyatta e Daniel Arap Moi, o Quênia conheceu quatro décadas de governos autoritários que exploraram episodicamente, em seu próprio proveito, a carta das divisões étnicas. Em 1992, Arap Moi incendiou as paixões étnicas no Vale do Rift, a mais diversificada província do país, jogando os nativos kalenjin contra os “forasteiros”, especialmente os kikuyu. O advento da democracia, em 2002, trouxe um governo amparado numa coalizão partidária interétnica e a promessa de um país para todos os seus cidadãos.
    A carta étnica desapareceu momentaneamente da cena institucional, mas ressurgiu pelas mãos das ONGs internacionais. Os kikuyu, que habitam predominantemente as terras férteis da Província Central, formam a etnia mais numerosa e representam cerca de 22% da população queniana. Os racialistas de lá, manipulando inescrupulosamente estatísticas fiscais e de renda, acusam os kikuyu de se apropriarem da maior parcela dos recursos nacionais. Esse argumento, reproduzido à exaustão na mídia queniana, tornou-se um pretexto político eficiente quando a coalizão de governo, devastada pela corrupção e pelas rivalidades entre seus líderes, implodiu em duas facções inconciliáveis.
    O presidente Mwai Kibaki é kikuyu. Seu rival, Raila Odinga, é luo. Eles não se lembravam disso quando eram aliados. Em 2006, o senador Barack Obama, que rejeita os conceitos de raça e etnia, visitou o Quênia, terra natal de seu pai. “Vocês começam a ver o ressurgimento das identidades étnicas como base para a política”, alertou, conclamando as pessoas a votarem em programas, não em etnias. Mas, então, Kibaki e Odinga já haviam redescoberto suas ancestralidades e identidades étnicas. De 27 de dezembro para cá, cerca de mil quenianos foram assassinados e 250 mil tornaram-se refugiados internos.
    Os manuais de história dizem que as potências européia dividiram a África, a partir da Conferência de Berlim de 1885. Essa é uma idéia curiosa, pois nos tempos pré-coloniais existiam mais de 10 mil entidades políticas na África. Os europeus, efetivamente, provocaram uma brutal unificação da África, comprimindo essas milhares de entidades em poucas dezenas de Estados. Mas o colonialismo durou menos de um século, tempo insuficiente para exterminar a diversidade prévia, que se reinventa incessantemente no interior dos Estados africanos independentes. Essa diversidade é a fonte na qual se saciam os promotores das políticas étnicas.
    Uma coisa é reconhecer as diferenças de língua, cultura, crenças e religiões, exigindo que sejam respeitadas, e outra muito distinta é fixá-las na lei e convertê-las em categorias políticas. A primeira atitude decorre do princípio dos direitos humanos. A segunda corresponde a uma operação de poder. As ONGs racialistas fabricam as armas políticas que são usadas nas “guerras étnicas”.
    Não é verdade que os quenianos estão se matando como selvagens. A verdade é que milícias controladas pelos líderes políticos estão matando selvagemente os quenianos. Não fale sobre cartões de crédito, ex-ministra Matilde Ribeiro. Fale-nos sobre o Quênia.
    Demétrio Magnoli

    Cenários geopolíticos no Oriente Médio

    Nelson Bacic Olic


    Apesar da dinâmica e do entrelaçamento dessas questões, que têm ainda como pano de fundo o interesse internacional nas enormes reservas petrolíferas dos países do Golfo Pérsico e o avanço do extremismo islâmico, pode-se tentar levantar alguns pontos que, ao que tudo indica, deverão ter continuidade nos próximos anos.

    O primeiro deles é que os Estados Unidos continuarão a ser a potência com mais influência na região. Todavia, ela será menor do que já foi no passado, pois as políticas e estratégias norte-americanas para a região serão cada vez mais contestadas por outros atores da cena internacional, como a União Européia, a Rússia e a China.

    O segundo é que o Irã parece cada vez mais se firmar como um dos Estados mais poderosos da região em virtude não só da riqueza fornecida pelo petróleo, mas também porque sua influência tem se fortalecido no Iraque e junto a grupos como o Hezbollah libanês e o Hamas palestino.

    Já Israel, uma outra potência regional, tem dois grandes trunfos: o incondicional apoio dos sucessivos governos dos Estados Unidos e a posse de um arsenal nuclear. No entanto, continua sendo um “corpo estranho” numa região dominantemente árabe-muçulmana e não tem conseguido equacionar as relações com seus vizinhos árabes e muito menos buscar soluções satisfatórias com a população palestina. Esta situação representa um grande obstáculo para que se estabeleça um processo duradouro de paz na região.

    Por outro lado, a situação do Iraque deverá permanecer caótica pelo menos nos próximos anos, o terrorismo continuará atuante na região e o Islã persistirá preenchendo o vazio político deixado pelo fracasso de modelos sócios econômicos ocidentais implementados sem sucesso por alguns dos governos de países da região. De maneira geral, os regimes dos países árabes continuaram mantendo-se com grande grau de autoritarismo.

    Sob o ângulo econômico o petróleo, principal matéria-prima energética extraída na região, continuará apresentando preços cada vez mais elevados e, paradoxalmente, o comércio intra-regional permanecerá praticamente com pouca expressão.

    De satélites soviéticos a “tigres” da Europa

    Nelson Bacic Olic

    Além desses três países o Mar Báltico banha também os litorais da Finlândia, Suécia, Alemanha, Polônia, Rússia e Dinamarca. Este último país, juntamente com a Suécia, tem o controle sobre os estreitos que ligam o Báltico ao Mar do Norte. Ao longo dos últimos séculos a Suécia, a Polônia, a Alemanha e a Rússia foram responsáveis pelas turbulências políticas que atingiram os três países região.


    Letônia, Estônia e Lituânia possuem reduzida dimensão, perfazendo juntas cerca 175 mil km2, superfície um pouco inferior ao estado do Paraná. A Lituânia é a mais extensa e a Estônia a de menor área. O total de habitantes dos três países é de cerca de 7,5 milhões de pessoas (mais ou menos a população de Pernambuco), sendo também a Lituânia o mais populoso dos Estados. Vale destacar que as populações dos três países embora tenham sofrido influência dos países próximos mais fortes, apresentam expressivas diferenças culturais em relação às sociedades germânicas, eslavas e escandinavas presentes nos países vizinhos.

    Apesar das semelhanças, existem algumas diferenças entre os três países no que concerne aos aspectos etno-culturais. Os estonianos, por exemplo, estão ligados ao grupo de línguas e povo fino-ugrianos, enquanto letões e lituanos fazem parte do grupo báltico, no seio da família etnicamente eslava. Sob o aspecto religioso, os lituanos são majoritariamente católicos (influência polonesa) enquanto letões e estonianos são dominantemente protestantes.

    Pequenos e fracos, os Países Bálticos estiveram sob o jugo sucessivo de dinamarqueses, suecos, poloneses e alemães e, a partir do século XVIII, passaram para o domínio do Império Russo. Só ao final da Primeira Guerra Mundial, com o fim do império dos czares, é que os povos das três repúblicas bálticas obtiveram sua soberania, tornando-se independentes.

    No entanto, a independência teve curta duração. O Pacto Germano-Soviético (Molotov-Ribbentrop) firmado entre a Alemanha nazista e a União Soviética em 1939 fez com que os países Bálticos passassem para o controle soviético. Dois anos mais tarde, com a invasão da Alemanha nazista, os povos bálticos foram “libertados” do domínio soviético.

    Entre 1944 e 1945, devido ao recuo das forças nazistas por conta do avanço das tropas soviéticas, a URSS retomou o controle sobre a região, cuja população sofreu fortes represálias, acusada de colaboracionismo com os alemães. Foi a partir dessa retomada que o governo soviético estimulou a imigração de russos para a região. É isso que explica a importância numérica de minorias de origem russa nos três países. Na Estônia e na Letônia, os russófonos são cerca de 30% da população, enquanto na Lituânia eles perfazem um pouco menos de 10%.
    A partir de 1945, os países Bálticos passaram a ser três das quinze repúblicas que compunham a URSS. Esta situação se perpetuou até o final da década de 1980, quando os três países evoluíram em direção à independência em função da crise que levou à desintegração da URSS. A Lituânia foi a primeira república a se separar da URSS, em março de 1990. Em agosto de 1991, o mesmo se verificou com a Estônia e Letônia. Os países Bálticos foram as únicas das 15 repúblicas que compunham a União Soviética que decidiram não participar da Comunidade de Estados Independentes (CEI).

    Novos rumos

    Depois da independência, a evolução dos países Bálticos tem sido mais ou menos similar, tendo todos eles acumulado uma série de sucessos, especialmente no âmbito econômico, a ponto de serem considerados como os mais promissores dos novos membros da União Européia.

    Os três países, nos primeiros anos de sua vida independente, passaram por grandes dificuldades econômicas em função do fechamento dos grandes conglomerados estatais russos, da perda de mercado em relação aos países da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e da supressão do controle de preços. O resultado foi uma grande baixa da produção e crescimento expressivo das taxas de inflação. A economia só começou a se recuperar após1994 e a crescer de forma acelerada a partir de 2000.

    Depois disso, a perspectiva de serem aceitos como membros da União Européia levou a um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 7 a 8% nos últimos anos. Esse crescimento recente do PIB dos países Bálticos é o maior que vem se registrando em toda a Europa. Do ponto de vista do comércio externo, União Européia é a principal cliente e fornecedora de produtos, perfazendo cerca de 2/3 do intercâmbio comercial dos países Bálticos.

    Em função dos ritmos de “chineses” de crescimento econômico dos últimos anos, já há aqueles que, comparando a evolução econômica dos países Bálticos a dos Tigres Asiáticos, vêm denominando-os de “tigres” da Europa.

    Espelhos, uma história quase universal - América Latina

    EDUARDO GALEANO


    No fim da Inconfidência Baiana, o poder colonial indultou todos, com quatro exceções: Manoel Lira, João do Nascimento, Luís Gonzaga e Lucas Dantas foram enforcados e esquartejados. Os quatro eram negros, filhos ou netos de escravos. Há quem acredite que a Justiça é cega.

    Alguns capítulos do livro "Espelhos/ Uma história quase universal", de Eduardo Galeano, que em breve estará nas livrarias:

    O herói
    Como teria sido a guerra de Tróia contada do ponto de vista de um soldado anônimo? Um grego a pé, ignorado pelos deuses e desejado apenas pelos abutres que sobrevoam as batalhas? Um camponês metido a guerreiro, cantado por ninguém, por ninguém esculpido? Um homem qualquer, obrigado a matar e sem o menor interesse em morrer pelos olhos de Helena?

    Teria pressentido esse soldado o que Eurípedes confirmou depois? Que Helena nunca esteve em Tróia, que somente sua sombra esteve ali? Que dez anos de matanças ocorreram por uma túnica vazia?

    E se esse soldado sobreviveu, o que lembrou?

    Quem sabe.

    Talvez o cheiro. O cheiro da dor, e simplesmente isso.

    Três mil anos depois da queda de Tróia, os correspondentes de guerra Robert Fisk e Fran Sevilla contam que as guerras têm cheiro. Eles estiveram em várias, sofreram-nas por dentro, e conhecem esse cheiro de podridão, quente, doce, pegajoso, que se mete por todos os poros e instala-se no corpo. É uma náusea que jamais te abandonará.

    Americanos
    Conta a história oficial que Vasco Núñez de Balboa foi o primeiro homem que viu, desde um cume do Panamá, os dois oceanos. Os que ali viviam, eram cegos?

    Quem colocou seus primeiros nomes no milho e na batata e no tomate e no chocolate e nas montanhas e nos rios da América? Hernán Cortés, Francisco Pizarro? Os que ali viviam, eram mudos?

    Os peregrinos do Mayflower escutaram: Deus dizia que a América era a Terra Prometida. Os que ali viviam, eram surdos?

    Depois, os netos daqueles peregrinos do norte apoderaram-se do nome e de todo o resto. Agora, americanos são eles. Os que vivemos nas outras Américas, o que somos?

    Fundação dos desaparecimentos
    Milhares de mortos sem sepultura deambulam pela pampa argentina. São os desaparecidos da última ditadura militar.

    A ditadura do general Videla aplicou em escala jamais vista o desaparecimento como arma de guerra. Aplicou, mas não inventou. Um século antes, o general Roca utilizou contra os índios esta obra prima da crueldade, que obriga cada morto a morrer várias vezes e que condena seus queridos a ficarem loucos perseguindo sua sombra fugitiva.

    Na Argentina, como em toda a América, os índios foram os primeiros desaparecidos. Desapareceram antes de aparecer. O general Roca chamou de conquista do deserto a sua invasão das terras indígenas. A Patagônia era um espaço vazio, um reino do nada, habitado por ninguém.

    E os índios continuaram desaparecendo depois. Os que se submeteram e renunciaram à terra e a tudo, foram chamados de índios reduzidos: reduzidos até desaparecer. E os que não se submeteram e foram vencidos à bala e sabraços, desapareceram transformados em números, mortos sem nome, nos comunicados militares. E seus filhos desapareceram também: repartidos como butim de guerra, chamados com outros nomes, esvaziados de memória, escravinhos dos assassinos de seus pais.

    Pai ausente
    Robert Carter foi enterrado no jardim.

    Em seu testamento, pediu descansar debaixo de uma árvore de sombra, dormindo em paz e escuridão. Nenhuma pedra, nenhuma inscrição.

    Este patrício da Virgínia foi um dos mais ricos, talvez o mais, entre todos aqueles prósperos proprietários que se tornaram independentes da Inglaterra.

    Apesar de que alguns pais fundadores dos Estados Unidos tinham má opinião sobre a escravidão, nenhum deles libertou seus escravos. Carter foi o único que desacorrentou seus quatrocentos e cinqüenta negros para deixá-los viver e trabalhar segundo sua própria vontade e prazer. Libertou-os gradualmente, cuidando que nenhum fosse lançado no desamparo, setenta anos antes de que Abraham Lincoln decretasse a abolição.

    Esta loucura condenou-o à solidão e ao esquecimento.

    Deixaram-no sozinho seus vizinhos, seus amigos e seus parentes, todos convencidos de que os negros livres ameaçavam a segurança pessoal e nacional.

    Depois, a amnésia coletiva foi a recompensa por seus atos.

    A Justiça vê
    A história oficial do Brasil continua atraindo inconfidências, deslealdades, às primeiras revoltas pela independência nacional.

    Antes que o príncipe português se transformasse em imperador brasileiro, houve várias tentativas patrióticas. As mais importantes foram as de Minas Gerais e da Bahia.

    O único protagonista da Inconfidência Mineira que foi enforcado e esquartejado, Tiradentes, era um militar de baixa graduação. Os demais conspiradores, senhores da alta sociedade mineira fartos de pagar impostos coloniais, foram indultados.

    No fim da Inconfidência Baiana, o poder colonial indultou todos, com quatro exceções: Manoel Lira, João do Nascimento, Luís Gonzaga e Lucas Dantas foram enforcados e esquartejados. Os quatro eram negros, filhos ou netos de escravos.

    Há quem acredite que a Justiça é cega.

    Olympia
    São femininos os símbolos da revolução francesa, mulheres de mármore ou bronze, poderosas tetas nuas, gorros frígios, bandeiras ao vento.

    Mas a revolução proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e quando a militante revolucionária Olympia de Gouges propôs a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, a guilhotina cortou sua cabeça.

    Ao pé do cadafalso, Olympia perguntou:

    – Se as mulheres estamos capacitadas para subir na guilhotina, por que não podemos subir nas tribunas públicas?

    Não podiam. Não podiam falar, não podiam votar.

    As companheiras de luta de Olympia de Gouges foram trancadas no hospício. E pouco depois de sua execução, foi a vez de Manon Roland. Manon era a esposa do ministro do Interior, mas nem isso pôde salvá-la. Foi condenada por sua antinatural tendência à atividade política. Ela tinha traído sua natureza feminina, feita para cuidar do lar e parir filhos valentes, e havia cometido a mortal insolência de meter o nariz nos masculinos assuntos de estado.

    E a guilhotina caiu de novo.

    Os invisíveis
    Em 1869, o canal de Suez tornou possível a navegação entre dois mares.

    Sabemos que Ferdinand de Lesseps foi autor do projeto, que o paxá Said e seus herdeiros venderam o canal aos franceses e aos ingleses em troca de pouco ou nada, que Giuseppe Verdi compôs a ópera Aída para que fosse cantada na inauguração e que noventa anos depois, após uma longa e dolorosa disputa, o presidente Gamal Abdel Nasser conseguiu que o canal fosse egípcio.

    Quem lembra dos cento e vinte mil presidiários e camponeses, condenados a trabalhos forçados, que construindo o canal caíram assassinados pela fome, a fadiga e a cólera?

    Em 1914, o canal do Panamá abriu um talho entre dois oceanos.

    Sabemos que Ferdinand de Lesseps foi autor do projeto, que a empresa construtora faliu, em um dos mais estrondosos escândalos da história da França, que o presidente dos Estados Unidos, Teddy Roosevelt, apoderou-se do canal e do Panamá e de tudo o que encontrou pelo caminho, e que sessenta anos depois, após uma longa e dolorosa disputa, o presidente Omar Torrijos conseguiu que o canal fosse panamenho.

    Quem lembra dos operários antilhanos, indianos e chineses que caíram construindo o Canal? Por cada quilômetro morreram setecentos, assassinados pela fome, a fadiga, a febre amarela e a malária.

    As invisíveis
    Mandava a tradição que os umbigos das recém nascidas fossem enterrados debaixo da cinza do fogão, para que cedo aprendessem qual é o lugar da mulher, e que daí não se sai.

    Quando estourou a revolução mexicana, muitas saíram, mas levando o fogão nas costas. Por bem ou por mal, por seqüestro ou por vontade, seguiram os homens de batalha em batalha. Levavam o bebê grudado na teta e nas costas as panelas e as caçarolas. E as munições: elas encarregavam-se de que não faltassem tortillas nas bocas nem balas nos fuzis. E quando o homem caía, empunhavam a arma.

    Nos trens, os homens e os cavalos ocupavam os vagões. Elas viajavam nos tetos, rogando a Deus que não chovesse.

    Sem elas, soldaderas, cucarachas, adelitas, vivanderas, galletas, juanas, pelonas, guachas, essa revolução não teria existido.

    Nenhuma recebeu pensão.



    Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

    terça-feira, abril 15, 2008

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    domingo, abril 13, 2008

    A Geografia dos Conflitos Sociais da América Latina e Caribe

    A Geografia dos Conflitos Sociais da América Latina e Caribe

    AMÉRICA LATINA

    Economia na América Latina - LANIC

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    As Farc, sua origem, seu futuro

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    As muitas Américas do Sul

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    Uma aula sobre América Latina num site gramsciano

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    terça-feira, abril 08, 2008

    EuroNews : Zapatero exclui diálogo com ETA

    EuroNews : Zapatero exclui diálogo com ETA

    Zapatero exclui diálogo com ETA
    Um pacto anti-terrorista sem hipótese de diálogo. A proposta foi feita, esta terça-feira, pelo líder socialista, José Luis Rodriguez Zapatero, à oposição durante o discurso de investidura no Congresso dos deputados em Madrid.Zapatero pediu o apoio dos deputados na luta contra a organização separatista Basca e voltou a insistir na necessidade um consenso político.O socialista defende que a ETA não aproveitou a oportunidade dada em 2006 para negociar, pelo que a única alternativa, acrescenta, é acabar de uma vez por todas e sem quaisquer condições com a barbárie cometida pela organização. O discurso foi, também, marcado pelo combate à desaceleração económica espanhola.Previstas estão já medidas a curto prazo para acabar com a crise no sector da construção civil. Entre elas está a redução da carga fiscal na reabilitação da habitação e a aceleração na adjudicação de obras públicas

    Crise alimentar, energia e clima: nova geopolítica da fome

    Geografia - Blog do Profº Jéferson Pitol Righetto - Brasil, RS, Porto Alegre: Crise alimentar, energia e clima: nova geopolítica da fome

    Rússia: Extrema preocupação sobre Kosovo: Topic. Pravda.Ru

    Rússia: Extrema preocupação sobre Kosovo: Topic. Pravda.Ru

    segunda-feira, abril 07, 2008

    Traduzindo o cerrado

    Traduzindo o cerrado
    Demétrio Magnoli

    “Nas colinas vermelhas da Geórgia...”


    Correio Geográfico – Abril 2008 - Número 21 - Projeto de Ensino de Geografia
    Demétrio Magnoli
    “Como todo mundo, eu gostaria de viver uma longa vida. A longevidade tem sua importância. Mas não estou preocupado com isso agora. Só quero cumprir a vontade de Deus. E Ele me permitiu subir a montanha. E eu vi lá de cima. E enxerguei a terra prometida. Posso não chegar lá com vocês. Mas quero que saibam que nós, como um povo, chegaremos à terra prometida. E
    estou feliz essa noite. Não estou preocupado com nada. Não temo nenhum homem.”
    Martin Luther King pronunciou essas palavras na noite de 3 de abril de1968, no Templo Mason, em Memphis, no Tennessee, naquele que foi seu último discurso. As suas referências à morte estavam ligadas à ameaça de um atentado contra o avião no qual viajara horas antes. No fim da tarde do dia seguinte, King foi alvejado a tiros por James Earl Ray na sacada do motel Lorraine, que hoje abriga o Museu Nacional dos Direitos Civis.
    O discurso derradeiro organiza-se, como todos os demais, sobre uma rede de relações entre os direitos do povo e a salvação religiosa. A “terra prometida” tem um duplo sentido: é, literalmente, a salvação no outro mundo e, metaforicamente, a salvação nesse mundo, pelo cumprimento da promessa de igualdade política. O “povo” também tem dois sentidos, um cristão (o povo de Deus) e outro nacional (o povo dos cidadãos). Mas não há no termo o significado atribuído a ele, antes e depois de King, por tantos líderes negros americanos. O povo do homem que tombou em Memphis há 40 anos não era a “nação dos afro-americanos”.
    Na densa história da retórica americana, os discursos de King ocupam um lugar especial. Ninguém conseguiu transitar melhor que ele entre as referências cristãs e as referências políticas. Esse movimento da palavra faz de King um intérprete clássico da aventura histórica dos Estados Unidos.
    Em Washington, diante de uma multidão reunida no Lincoln Memorial, no 28 de agosto de 1963, com apenas 33 anos, King pronunciou seu discurso mais célebre, que figura como modelo de sua retórica e da concepção que animou o movimento pelos direitos civis. “I Have a Dream” é um diálogo com os ideais proclamados pelos fundadores da nação americana. Abraham Lincoln é o primeiro interlocutor, na passagem de abertura que joga com os pólos da luz e da escuridão:
    Cem anos atrás, um grande americano, sob cuja sombra simbólica estamos agora, assinou a Proclamação de Emancipação (…). Aquele decreto momentoso chegou como um grande farol de luz e esperança para milhões de negros escravos (…). Ele chegou como uma alegre alvorada para encerrar a longa noite do seu cativeiro. Mas cem anos depois, os negros ainda não são livres. (…) Cem anos depois, os negros ainda definham nas margens da sociedade americana e se descobrem em exílio na sua própria terra.
    O “exílio”, que remete à Bíblia, tem um profundo conteúdo político e programático. A discriminação racial “exila” os negros, convertendo-os em estrangeiros. A conquista dos direitos civis é um retorno do “exílio”, a volta dos negros à “sua própria terra”. Contra uma tradição pontuada por líderes negros que olhavam o mundo pelas lentes da raça e imaginavam-se como
    componentes de uma nação africana no exílio, King estava dizendo que os negros são americanos, não “afro-americanos”. Ele se preparava paraconectar o movimento pelos direitos civis à Revolução Americana de 1776: Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, estavam assinando uma nota promissória da qual são herdeiros todos os americanos.
    Essa nota era uma promessa de que todos os homens – sim, homens negros tanto quanto homens brancos – teriam garantidos os “inalienáveis direitos” à “vida, liberdade e busca da felicidade” (…). Mas no lugar de honrar essa sagrada obrigação, os Estados Unidos deram às pessoas negras um cheque ruim, um cheque que voltou com a inscrição “fundos insuficientes”. É um chamado à luta – mas à luta para refundar a nação sobre o alicerce erguido por seus fundadores originais: “Nós nos recusamos a crer que o banco da justiça está falido”.
    King alerta contra o perigo de “beber na taça da amargura e do ódio” e descreve seu sonho, que “é um sonho profundamente enraizado no sonho americano”. A descrição aparece, então, como uma citação da Declaração de Independência – que é, por sua vez, uma declaração política imantada na rocha do conceito dos direitos naturais: Eu tenho o sonho de que um dia essa nação se erguerá e viverá o verdadeiro sentido de seu credo: “Nós sustentamos como verdade autoevidente que todos os homens foram criados iguais”.
    O clímax chega como uma torrente de imagens e remissões pela qual os cenários do “Sul Profundo” dos Estados Unidos transfiguram-se em visões de salvação e redenção. No sonho “um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos serão capazes de sentar-se juntos na mesa da irmandade” e “lá no Alabama, pequenos meninos e meninas negras serão capazes de dar as mãos a pequenos meninos e meninas brancas como irmãs e irmãos”. Nesse dia, “todos os vales serão elevados e todas as colinas e montanhas serão rebaixadas, os lugares ásperos se tornarão lisos e os lugares sinuosos se tornarão retos”.
    A síntese é por demais conhecida, mas deve ser repetida: “Eu tenho o sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo de seu caráter”. O homem que morreu há 40 anos sonhava com o dia em que a palavra raça seria apagada da linguagem e da vida.

    Editora Moderna

    Correio Geográfico – Abril 2008 - Número 21 - Projeto de Ensino de Geografia